O Jornal Nova Fronteira em sua edição nº 373 publicou no Editorial um texto initulado Dia da Consciência Negra, como de acordo a interpretação que fiz do mesmo encontrei algumas análises deturpadas e equivocadas acerca do Dia da Consciência Negra e da história do Negro no Brasil enviei o e-mail abaixo à redação do Nova Fronteira. Na carta mencionada fiz a solicitação da publicação da mesma no Jornal Nova Fronteira (que foi publicada) e de outros artigos/textos que havia enviado por e-mail a equipe do Jornal, que por motivos alheios à vontade do Jornal Nova Fronteira não foi publicado ou não pôde ser.
Barreiras, 10 de dezembro de 2009.
Caríssima equipe do Jornal Nova Fronteira
Saudações cordiais!
O motivo deste deve-se ao editorial da edição 373 do Jornal Nova Fronteira, intitulado Dia da Consciência Negra. No supracitado algumas análises e informações inexatas e deturpadas, análises e concepções reproduzidas dos livros de histórias/livros didáticos de matriz eurocêntrica, produzidos pela elite dita intelectual em sua grande maioria branca causaram em mim sentimentos negativos.
Na condição de negro afro-descendente, de lutador/militante social (movimento estudantil e partido político), de educador, acadêmico e de ter participado por duas vezes da organização da Semana da Consciência Negra aqui em Barreiras, inclusive neste ano, sinto-me na obrigação de prestar algumas explicações com o objetivo de dissipar toda e qualquer deturpação consciente ou inconsciente, voluntária ou involuntária, às vezes até mesmo despercebida.
Pois bem, o texto afirma que aqui em nossa cidade o Dia da Consciência Negra passou batido sem nenhum evento, programação ou comemoração. Ainda, afirma que segundo o que a equipe do Nova Fronteira apuraram no Estado da Bahia foi assim. Ora, é sabido de todas (os) nós que o presidente Lula aqui na Bahia, mais precisamente em Salvador, anunciou de antemão que no próximo ano o dia 20 de novembro será feriado nacional. O anúncio foi feito quando o mesmo em companhia de sua futura candidata a presidente da república e comitiva em plena campanha eleitoral ilegal participava de um dos eventos de comemoração ao Dia da Consciência Negra em Salvador. Este fato foi noticiado por “toda” imprensa escrita e falada nacionalmente. Ainda, a Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade distribuiu um encarte intitulado Novembro Negro – Mês da Consciência Negra com a programação de eventos, programação ou comemoração em várias cidades da Bahia, não somente durante a semana ou Dia da Consciência Negra, mas durante todo o mês de Novembro.
Conforme já revelei fiz parte por duas vezes da Comissão Organizadora da Semana da Consciência Negra promovida pelo Núcleo de Ética e Cidadania – NUEC da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. O evento se encontra em sua quinta edição e este ano foi realizado com o tema: Brasil, Africanidades e Resistências pelo Grupo de Pesquisa em Cultura, Resistência, Etnia e Linguagem – CREL do qual atualmente eu tenho a honra de pertencer. Informo também que ainda este ano foi realizado o primeiro Encontro de História do Oeste Baiano: História e Literatura Afro-brasileira nos dias 05 e 06 de junho promovido pelo Colegiado de letras da UNEB. Ainda, tenho noticias que no Povoado do Mucambo, que inclusive se salvo me engano, é considerado remanescente quilombola e que possui um grande contingente de negros em sua população, também houve uma programação com eventos de comemoração ao Dia da Consciência Negra. Surpreendentemente tais eventos não têm obtido o destaque merecido e necessário nos “nossos’ meios de comunicação social.
Aproveito o ensejo para abrir um pequeno parênteses. Como se pode ver a UNEB e o povo negro tem recebido o mesmo tratamento discriminatório, de esquecimento e indiferença. Essa augusta Instituição de Ensino Superior, a maior e melhor do norte-nordeste, que por mais de vinte anos foi a única Instituição de Ensino Superior pública a contribuir direta e efetivamente com o desenvolvimento desta cidade e da região oeste, a despeito de manifestar nitidamente a sua atualidade, vitalidade e o seu vigor ao estabelecer de maneira pioneira o diálogo e a parceria com ou em favor dos setores historicamente renegados, tem recebido o mesmo tratamento de esquecimentos e friezas do nosso sofrido, valente e forte povo negro.
O pioneirismo sem sombra de dúvidas tem sido a vocação da UNEB. Enquanto algumas Instituições de Ensino Superior públicas aqui mesmo na Bahia, por motivos sei lá quais permaneceram “deitada eternamente em berço esplêndido” a UNEB pioneiramente com sua missão inaugural de democratizar o acesso ao Ensino Superior desbravou as longínquas terras da Bahia realizando o sonho de milhares de possuírem um diploma superior. Aqui em barreiras, a UNEB sempre tem participado e colaborado de forma direta, efetiva e eficaz em todos os eventos de relevância social, seja contribuindo com o seu mais rico, competente, eficaz e qualificado quadro profissional ou com sua limitada estrutura. Porém, nunca se furtando de sua missão/responsabilidade social.
Todavia, tanto essa contribuição, participação e/ou a realização de seus eventos não tem recebido o reconhecimento, a divulgação e o destaque necessários e merecidos por parte da sociedade e, sobretudo dos meios de comunicação social, principalmente os que detentores de uma concessão pública, portanto devendo atender aos interesses públicos e até mesmo por aqueles que não tem ou não precisam de concessão pública, mas que se propõe e se proclamam como meios de comunicação a serviço da sociedade.
Não se pode justificar tais comportamentos por parte da imprensa em virtude da não divulgação ou convite de tais eventos e ou participação. Ora, é nítida a opção pública dos meios de comunicação social pela divulgação, destaque e cobertura de eventos que nada tem que ver com a maioria da população, sobretudo os eventos do agronegócio que ocupam páginas e mais páginas dos jornais. Por que será? Sendo que este em nada tem contribuído ou melhorado a vida do povo, muito pelo contrário todas (os) nós conhecemos muito bem as nefastas conseqüências para as cidades e para a natureza deste predatório e não denunciado agronegócio. Uma outra opção/política adotada pelos meios de comunicação é apresentar alguns fatos delituosos cometidos em sua grande maioria por pessoas pobres, indefesas e negras. E tentar inculcar na mente do povo que a violência e a ladroagem se resolvem com uma boa porrada e cadeia. Por outro lado, se calam diante de uma espécie de um “projeto político em execução de extermínio sumário do povo pobre, sobretudo do povo negro”. Todos os dias pelo menos um jovem negro é executado em nossas favelas e ninguém diz nada!
Um fato da maior gravidade foi a interpretação que fiz do texto, que deixa transparecer e favorece a uma reprodução de algumas análises e concepções propositadamente deturpadas nos nossos livros de história ou didáticos. A idéia de que a população negra aceitou e ainda aceita hoje passiva, dócil e resignadamente sua condição subalterna, o que se caracteriza e se constitui num grande equívoco histórico.
Passando em revista a história do negro no Brasil, descobriremos que esta não significou passividade e apatia, mas sim, luta e organização. A esse processo de luta e organização negra existente desde a época da escravidão, chamamos de resistência negra. Várias foram as formas de resistência negra durante o regime escravocrata. Insubmissão às regras do trabalho nas roças ou plantações onde trabalhavam – os movimentos espontâneos de ocupação das terras disponíveis, revoltas (Revolta dos Malês, Revolta dos Alfaiates ou dos Búzios, Guerra da Balaiada), fugas, abandono das fazendas pelos escravos, assassinatos de senhores das fazendas pelos escravos, assassinatos de senhores e de suas famílias, abortos, quilombos, organizações religiosas, entre outras, foram algumas estratégias utilizadas pelos negros na sua luta contra a escravidão. Outro equívoco que aparece no texto é a idéia distorcida de quilombo. Ora, os negros de Palmares – mais de trinta mil - estabeleceram o primeiro Estado livre nas terras da América, que ainda se encontrava sob os domínios dos portugueses. Os quilombos foram um Estado africano pela forma como foi pensado e organizado, com uma organização política, militar, sociocultural e econômica. Alguns historiadores consideram o Quilombo de Palmares, por exemplo, como o primeiro estado socialista/comunista, bem antes de Kal Marx. Pois, em Palmares, aterra era de propriedade coletiva e os trabalhadores tinham direito a um aparte do que produziam. O Quilombo de Palmares durou um século. Um século de coragem e luta contra a escravidão. Nesse longo período enfrentou tempos de paz e guerra.
Diante de tantas estratégias, lutas, organização e resistência contra a escravidão uma tal Senhora Princesa num ato de astúcia com um interesse histórico-social e outro econômico-politico decretou a “extinção” da escravidão no Brasil. O primeiro interesse visava negar as muitas e variadas formas de luta e resistência negra e apresentar a “libertação” dos negros como um ato de bondade da Branca Senhora Princesa. E o segundo interesse visava atender aos interesses do incipiente sistema capitalista que tem como alicerce: a detenção dos meios de produção; o lucro – diga-se de passagem super lucro; e o consumo. Ora, para que haja lucro é necessário consumo. Sendo assim, como haverá consumo no sistema de mão-de-obra escrava? Era necessário consumidores, portanto libertemos os escravos.
Em suma o fato é que o decreto da branca Senhora Princesa apenas se antecipou – e o fez para como popularmente é dito “sair bem na foto” - ao processo que viria numa questão de mais ou menos tempo em virtude da luta e resistência do povo negro. Ora, em 1830 cinqüenta e oito anos antes da “extinção” da escravidão, os negros constituíam 63% da população total, os brancos 16% e os mestiços 21%. Com uma população superior e com focos de resistência estourando aqui e acolá em todo o Brasil a “libertação” das/dos negras (os) por elas/eles mesmas (os) era certa.
Não se pode perder de vista que a resistência negra após a abolição continuou, porém com outros contornos como por exemplo: Revolta da Chibata, Frente Negra Brasileira, teatro Experimental do negro –TEM e o Movimento das Mulheres Negras. Esse processo de luta e resistência brava persiste ainda hoje com a Resistência Cultural: religiosa (candomblé e a umbanda) os congados, o corpo como expressão de luta, arte e resistência (a capoeira) a dança, as roupas, o cabelo, o rap, o funk, Hip-Hop, a culinária, o próprio Dia da Consciência Negra e as políticas de Ação Afirmativas apesar de toda limitação e vulnerabilidade.
De fato o Dia da Consciência Negra é dedicado à reflexão sobre a inserção da/do negra (o) na sociedade brasileira. Mas, sonhamos com o dia em que não mais precisaremos de um Dia da Consciência Negra. Todavia, os fatos, os esquecimentos, friezas e a falta de apoio ou patrocínio nos eventos com tais temáticas demonstram o quão longe estamos desse dia.
Com o sentimento de dever cumprido ao prestar tais explicações e informações, solicito a publicação deste, bem como dos outros textos que se seguem e despeço-me com um abraço todo cordial em toda a equipe do Jornal Nova Fronteira.
Claudio Roberto de Jesus.
EM MAIO (Oswaldo de Camargo)
Já não há mais razão para chamar as lembranças e mostrá-las ao povo em maio.Em maio sopram ventos desatados por mãos de mando, turvam o sentido do que sonhamos.Em maio uma tal senhora Liberdade se alvoroça, e desce às praças das bocas entreabertas e começa:"Outrora, nas senzalas, os senhores..."Mas a Liberdade que desce à praça nos meados de maio, pedindo rumores, É uma senhora esquálida, seca, desvalida e nada sabe de nossa vida. A Liberdade que sei é uma menina sem jeito,vem montada no ombro dos molequese se esconde no peito, em fogo, dos que jamais irão à praça. Na praça estão os fracos, os velhos, os decadentes e seu grito: "Oh bendita Liberdade!"E ela sorri e se orgulha, de verdade, do muito que tem feito!
Nenhum comentário:
Postar um comentário